
Pensar no A Salto é estar à procura de palavras: se for possível, comecemos todos pela pergunta "o que é uma cidade em estado de graça?"
Talvez seja essa a pergunta que desenha a nossa cartografia. O que queremos é um pulmão, um órgão colectivo e vital (à comunidade, aos artistas, aos transeuntes, a todos) que nos faça flutuar, nadar, fluir, plasmados pela arte. A arte livre de todos os seus apetrechos e etiquetas, a arte que se lê de coração-para-coração, corpo-a-corpo, de mão dada consigo e pés fincados no mundo. E se não soubermos definir o A Salto, como ninguém sabe dizer, ao certo, o que é um filho?
O festival nasceu dos nossos sonhos. Por isso, é nosso. Dia-a-dia, como o agricultor que sobe ao cume da montanha para regar as suas plantas, nós cuidamos dele, num labor minucioso e lento, que às vezes lembra o dos poetas e que, outras vezes, nos faz sentir loucos.
De ano para ano, temos vindo a perder apoios financeiros - aparentemente, andamos de costas voltadas para o mundo (ou para a parte dele que é mais visível nas notícias). Não temos nenhum produto para vender, porque os afectos que tecemos desconhecem essas regras e porque nos propusemos a ilusão de um mundo novo.
O A Salto faz-se de um rio largo de gente de inexplicável beleza que acredita num território e aqui planta a semente do pulmão, acreditando que esse pulmão nasce como as árvores e as flores. Quem vier a Elvas, por estes dias, verá os plantadores de pulmões, por toda a cidade, abrindo as portas à cisterna com sons do fim do mundo, pintando passarinhos verdes, costurando mantos vivos, transformando lixo noutras existências. E terá um baloiço para desequilibrar o corpo e uma torre para reequilibrar a alma. Este ano, vamos ser acontecimento uns para os outros, baixos e altos, e vamos desenhar o pensamento nos limites da cidade. Ouviremos a voz humana em queda livre, guiados pela nossa própria luz. Mais tarde, estes três dias de Festival serão apenas um testamento em três actos, reflexo da vontade de partilhar tantos modos (diferentes) de ver Elvas.